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Canteiro de obras: fragmentos para uma antropologia benjaminiana

Por André-Kees Schouten

Como brinquedo, coisa de jogar, CANTEIRO DE OBRAS arqui]vos de antropo[logia se [re]constitui então como um dispositivo hipertextual de escrita, formado a partir de resíduos do pensamento de Walter Benjamin; fragmentos diversos, notas e materiais de uma antropologia apenas esboçada, jamais concluída, ruínas enigmáticas que insistem em desafiar a compreensão de seus leitores contemporâneos…

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CANTEIRO DE OBRAS: símile de caderno de campo, instrumento tão prosaico do ofício etnográfico, de onde são construídos [ e destruídos, para que de suas ruínas outras tantas edificações possam surgir ] todos os mais sólidos paradigmas antropológicos. O caráter destrutivo, intrínseco ao desenvolvimento do pensamento antropológico, também é fundante de qualquer canteiro de obras.

O caráter destrutivo não vê nada de duradouro. Mas eis precisamente por que vê caminhos por toda parte. Onde outros esbarram em muros ou montanhas, também aí ele vê um caminho. Já que o vê por toda parte, tem de desobstruí-lo também por toda parte. Nem sempre com brutalidade, às vezes com refinamento. Já que vê caminhos por toda parte, está sempre na encruzilhada. Nenhum momento é capaz de saber o que o próximo traz. O que existe ele converte em ruínas, não por causa das ruínas, mas por causa do caminho que passa através delas.

Símile porque hipercaderno de campo, um cadernoide, espaço virtual de experimentação hipertextual [ fundamentalmente dinâmica, fragmentária, não-sequencial, inconclusa ] e do concomitante desenvolvimento de estratégias para saber… fazer… saber fazer ”saltar” entre seus fragmentos, arranjados de múltiplas maneiras, sempre renovadas. Todavia, na distância que separa este hipercaderno daquele tradicional caderno de campo, uma afinidade essencial parece restar: seu inacabamento essencial, lugar de contínuos retornos e [re]começos. CANTEIRO DE OBRAS: tempo da infância, espaço de brincadeira.

É que as crianças são especialmente inclinadas a buscarem todo local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se processa de maneira visível. Sentem-se irresistivelmente atraídas pelos detritos que se originam da construção […]. Nesses produtos residuais elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e somente para elas. Neles, estão menos empenhadas em reproduzir as obras dos adultos do que em estabelecer entre os mais diferentes materiais, através daquilo que criam em suas brincadeiras, uma relação nova e incoerente. Com isso as crianças formam o seu próprio mundo de coisas, um pequeno mundo inserido no grande.

Como brinquedo, coisa de jogar, CANTEIRO DE OBRAS arqui]vos de antropo[logia se [re]constitui então como um dispositivo hipertextual de escrita, formado a partir de resíduos do pensamento de Walter Benjamin; fragmentos diversos, notas e materiais de uma antropologia apenas esboçada, jamais concluída, ruínas enigmáticas que insistem em desafiar a compreensão de seus leitores contemporâneos…

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CANTEIRO DE OBRAS arqui]vos de antropo[logia diz respeito a um conjunto bastante diverso de fragmentos [ notas, materiais, esboços ] escritos por Walter Benjamin [ 1892-1940 ] ao longo de pouco mais de duas décadas [ 1918-1940 ], em diferentes contextos e com finalidades variadas, mas que, todavia, foram em algum momento agrupados em arquivos considerados de temática antropológica. Ao todo são cerca de 550 fragmentos, dispostos em 7 arquivos temáticos ordenados em 4 pastas, de acordo com as sugestões, editoriais e de pesquisa, do próprio autor e de seus editores, especialistas em sua obra, nomeadamente, Rolf Tiedemann [ editor alemão dos Gesammelte Schriften ] e Willi Bolle [ responsável pela edição brasileira do Passagens ].

Assim arrancados de seus contextos originais e transpostos para um espaço virtual de “novas e incoerentes” relações, todavia conservando a organização em pastas, arquivos e fólios dada de antemão ao material, “um pequeno mundo inserido no grande”, estes arquivos benjaminianos de antropologia se [re]constituem aqui como dispositivo hipertextual de escrita, “essencialmente móvel e dinâmico, voltado para um trabalho produtivo de construção, desconstrução e nova construção, envolvendo a participação ativa dos leitores” [ W. Bolle “Um painel com milhares de lâmpadas” – metrópole & megacidade, 2006, pp. 1152 ] na exploração das múltiplas possibilidades combinatórias que a leitura por links desta pequena coletânea de fragmentos diversos, notas e materiais parece oferecer…

VISITE O CANTEIRO DE OBRAS: http://arquivoswbdeantropologia.net.br/

O Grupo de Estudos em Antropologia Crítica é um coletivo independente que atua na criação de espaços de auto-formação e invenção teórico-metodológica. Constituído em 2011, o GEAC se propõe, basicamente, a praticar “marxismos com antropologias”. Isto significa desenvolver meios para refletir, de maneira situada, sobre os devires radicais da conflitividade social contemporânea. Delirada pelo marxismo, a antropologia se transforma, para o GEAC, numa prática de pesquisa e acompanhamento político das alteridades rebeldes que transbordam e transgridem a pretensão totalitária do modo de produção vigente e da sua parafernália institucional.

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