Por Alex Martins Moraes (publicado, originalmente, na Revista Tempo da Ciência)
Imagem: Gueli Kórzhev, Menina mineira
Ainda que Latour e Lazarus tenham pretendido pensar a política politicamente, apenas o segundo autor radicalizou essa aposta, graças à recusa de qualquer compromisso constituinte a priori. Deste modo, a irrupção e a ivenção aparecem como os momentos fundamentais da política, ao passo que a ruptura, mais do que a composição do laço social existente, constitui a evidência palpável de sua insubstituível verdade.
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É possível desobjetificar a política?
Cada um ao seu modo, os antropólogos Bruno Latour e Sylvain Lazarus nos sugerem que a política pode ser pensada politicamente. Suas respostas, bem como o dispositivo conceitual que mobilizam para sustentá-las, parecem colocar ambos os autores numa profunda descontinuidade frente às principais orientações teóricas que vêm referenciando o pensamento antropológico da política desde meados do século XX.
O cânone da antropologia política clássica começou a ganhar corpo nos anos 1940, quando as primeiras análises estrutural-funcionalistas se propuseram a abordar a política – ou melhor, o político – como um subsistema interior à totalidade social, análogo ao parentesco e a religião. Este subsistema cumpriria funções de coesão e ordenamento, manifestando-se como Estado especializado em algumas sociedades e operando em outras mediante a oposição de segmentos complementares (PRITCHARD; FORTES, 2010 [1940]). Mais tarde, a dicotomia entre sistemas estatais e não estatais seria matizada por outras correntes teóricas, que passaram a pensar a organização política das sociedades – especialmente as “tribais” – como um processo sujeito a oscilações temporárias entre polos hierárquicos e polos igualitários (LEACH, 1996 [1954]). De qualquer forma, esta oscilação estrutural continuaria sendo encarada como uma dinâmica constante e relativamente regrada do sistema social, marcada por etapas ritualizadas através das quais a sociedade iria gerindo, periodicamente, suas tensões e contradições (GLUCKMAN, 1978 [1965]; TURNER, 1974 [1969]). Mais distantes do horizonte funcionalista, certos enfoques marxistas identificaram no político a manifestação transversal do processo hegemônico de cada formação social; um processo evidenciado pela ativação de diversas modalidades – rituais, ideológicas, organizacionais – de afiançamento da dominação, da exploração material e da distribuição desigual das funções e dos atributos sociais (MEILLASSOUX, 1977; GODELIER, 1977).
Marcio Goldman (2006) avalia que estes itinerários da antropologia política clássica tenderam a serpentear entre o substantivismo e o formalismo. A primeira tendência apreenderia a política como um subsistema que, nas sociedades “tradicionais”, desempenharia um rol similar ao do Estado. Já a segunda tendência apresentaria a política como um elemento perene de todas as expressões da vida social, essencialmente vinculado à coação e ao exercício do poder. O próprio Goldman percorre caminhos alternativos aos da tradição precedente, em diálogo com uma antropologia política de estilo brasileiro cuja figura chave é Moacir Palmeira. Para este último autor, a política constitui uma atividade social própria de determinados “tempos”, como as eleições, quando as posições sociais se desestabilizam e novas composições coletivas ou eixos de conflito tornam-se visíveis (PALMEIRA, 2002). Aqui, o foco de atenção se desloca das funções de coesão ou dominação associadas ao espaço do político em direção às formas de composição coletiva características de um “tempo da política”.
Em diálogo com Palmeira, Goldman evita “conceber a política como um domínio ou processo específico, definível de fora” para, em vez disso, pesquisar aqueles fenômenos que, “do ponto de vista nativo”, seriam considerados política (GOLDMAN, 2006, p. 40). Segundo ele, isto permitiria uma ampliação do campo de análise, tornando-o permeável ao que “normalmente se exclui da política: os faccionalismos, as segmentaridades, as redes sociais […] e também o parentesco, a religião, a arte, a etnicidade, etc.” (ibid., p. 42). Goldman esclarece que “não se trata de desvendar supostas relações entre subsistemas relativamente autônomos; tampouco de revelar que, por trás de tudo isso, estariam ocultas relações de poder” (ibid.). Concretamente, seu objetivo é “elaborar teorias etnográficas capazes de devolver a política à cotidianidade” (ibid.). Por sua vez, a “teoria etnográfica”, que representa o “ponto de vista nativo” sobre a política, dependeria da recuperação de uma “diversidade de opiniões” cuja análise levaria à reconstrução de “fatos invisíveis”, ou seja, de “objetos sociais” (como a política) tornados discerníveis na superfície do texto antropológico.
É difícil ignorar que, apesar de suas pretensões declaradas, para Goldman a política continua sendo um “fato”, um “objeto” e às vezes até mesmo um “campo” integrado à normalidade da vida coletiva. Ela possui uma natureza híbrida: metade categoria nativa, metade objeto latente do saber disciplinar. Assim concebida, a política existe realmente, mas só é acessível em seu conteúdo e forma através da fala “nativa”. Dessubstancializada e desformalizada, a política é devolvida ao cotidiano: repete-se ciclicamente, tem seus tempos e seus espaços, ambos eventualmente moldados pela ordem social, mas, acima de tudo, representados e redefinidos por quem os vive a partir de seus respectivos horizontes de agência. Se a política já está aí, então corresponde ao etnógrafo a tarefa de recuperá-la e recompô-la. Embrenhando-se numa multidão de gestos e palavras, o pesquisador precisa fazer ver e fazer falar com a maior sistematicidade possível os sentidos que as pessoas atribuem a sua sociedade, isto é, à distribuição dos espaços, dos tempos e das funções nos quais se assenta a ordem política que lhes tocou viver. Neste enfoque, a política é uma experiência representável do que já existe e do que se repete. Esta experiência pode ser enunciada no texto antropológico graças à resenha das ações normatizadas e repetitivas que definem o aspecto de um mundo local dado. Assim, começa a ganhar forma, pelas mãos do antropólogo, o “fato invisível” chamado política. Trata-se de um esquema de muitos esquemas; mapa de muitos mapas que nos devolve uma visão coerente do estado atual – ou, em linguagem clássica, da “morfologia” – de um mundo específico, povoado de composições e desagregações entre segmentos múltiplos e proliferantes (GOLDMAN, 2006, p. 141 e ss.). Nenhuma premissa antecederia o ato de desenhar esses mapas, salvo, quem sabe, a suposição de que a política já possui uma ou muitas lógicas cujos protocolos de realização podem ser deduzidos retroativamente de sua própria atividade, de seu próprio processo.
No final das contas, não estamos tão longe assim das problemáticas instauradas pela antropologia política clássica. Em Goldman, a política continua sendo uma parte ativa da realidade social, ainda quando se evite supor, de antemão, seu lugar e seu conteúdo. Estes precisarão ser formulados pelo pesquisador de acordo com a massa de material empírico recolhido ao longo do trabalho de campo. Da heterogeneidade dos dados emergirá a coerência de um processo coletivo que atravessa e modifica – seguindo uma lógica singular – o campo das instituições usualmente concebidas como políticas por excelência – eleições, sindicatos, partidos, movimentos socais, associações comunitárias. No entanto, permanece vigente a suposição de que tal processo sempre esteve ali – “objeto invisível” – à espera de alguma formalização possível nos quadros teóricos do discurso científico-social.
A ruptura decisiva com a antropologia política clássica e, por conseguinte, com a própria ciência social de tradição durkheimiana, só seria possível, em última análise, pela via da deposição da ideia de objeto – sempre e quando esta ideia equivalha à suposição de um fato social transcendente às manifestações e problematizações localizadas da existência coletiva. Enquanto for encarada como objeto, a política só existirá sob a forma de uma realidade de segunda ordem – i.e. uma realidade científica – que se depreende daquilo que os indivíduos fazem anonimamente. Realidade esta que, uma vez concebida, servirá de referência para a explicação das condutas de determinados grupos humanos. A consequência dessa postura metodológica é que, na prática, do ponto de vista de seu processo concreto, a política é apenas o fenômeno de algo oculto aos olhos dos seus protagonistas; algo do qual o cientista social precisa oferecer uma imagem provisória para o bem do desenvolvimento de sua própria disciplina. Esse “algo oculto” não é outra coisa senão a política erigida em objeto da ciência e veiculada, como matéria de debate, comparação ou refutação num campo de debate intra e interdisciplinar.
Mas e se empreendêssemos outro caminho de análise? Um caminho que Émile Durkheim recomendava evitar e que consiste em incluir no escopo do pensamento a “matéria concreta da vida coletiva”; “matéria maleável”, “realidade fugidia que o espírito humano talvez nunca possa apreender completamente” (DURKHEIM, 2002, p. 66). E se abdicássemos da busca e da reconstrução laboratorial de regularidades morfológicas para, noutro sentido, encarar a política em sua mutabilidade, sem pretender alcançar dela uma imagem sistemática e generalizável, mas nem por isso desobrigando-nos de identificar seus efeitos concretos e determinantes em cada mundo social? E se a política pudesse ser pensada como uma possibilidade emergente, como um processo aberto e incompleto? No que diz respeito especificamente à política, tanto Latour como Lazarus apresentam um programa teórico e investigativo que comporta tais questões. Dedicarei o primeiro tópico deste trabalho à revisão do argumento latouriano acerca da possibilidade de encararmos a política como um “modo de existência” particular, que pode ser estudado a partir dos seus protocolos específicos de composição coletiva e produção da diferença. Ponderarei sobre a persistência, no modelo de Latour, de um condicionamento da produtividade política às mediações sociais já existentes e de uma excessiva ênfase no esquema parlamentar como imagem definitiva das potencialidades contidas no “modo político de existência”. No segundo tópico, apresentarei a perspectiva de Lazarus, evidenciando que, para este autor, a política é a expressão mutável de um pensamento singular; pensamento que expõe seus praticantes a uma “prescrição” inédita sobre as capacidades coletivas das quais são portadores. Veremos que, para Lazarus, o desafio consiste em identificar a nova figura do real que é imanente a cada pensamento singular da política, recusando-se a mediar esta figura no campo das convenções sociais já estabelecidas. A modo de conclusão, sistematizarei as disjunções fundamentais que opõem os dois enfoques revisados ao longo do texto e sugerirei que, no tocante à possibilidade de pensar a política politicamente, é Lazarus quem nos oferece a via de abordagem mais coerente e promissora.
Latour: a política como modo de existência
Investigação sobre os Modos de Existência (ISME), publicado em francês no ano de 2012, é a síntese mais atual e abrangente do estado da arte do pensamento latouriano. Ali, a metapolítica de Latour define-se com clareza, prolongando e aprofundando a perspectiva delineada por ele dez anos antes, em 2002, num artigo intitulado “Se falássemos um pouco de política?”. Até a publicação desse artigo, Latour tendia a encarar a política como a própria consistência da realidade: ela seria, portanto, inerente a quaisquer atos de composição coletiva destinados a colocar em presença uma multiplicidade de atores no marco de alguma operação conjunta, como, por exemplo, a experimentação científica (LATOUR, 2004 [1999]). Haveria, então, uma política imanente à formação das coletividades, entendidas como arranjos entre atores humanos e não-humanos sempre sujeitos à dissolução e, por isso mesmo, condicionados a incessantes procedimentos de consulta, verificação, medição e concatenação. Os procedimentos em questão, diferentes em cada arranjo coletivo e sintonizados, sempre, com o tipo de potencialidade buscada em seus respectivos componentes, constituiriam, eles próprios, a política indispensável à configuração de uma realidade habitável e comunicável. Nestes termos, a teoria do ator-rede representaria, ao fim e ao cabo, um conjunto de premissas filosóficas e critérios metodológicos cuja finalidade seria a de evidenciar, por um lado, a natureza primordialmente instável das “coisas” que povoam nosso mundo e, por outro lado, a politicidade necessária à fixação dessas “coisas” num conjunto co-operativo ajustado à obtenção de certos efeitos e finalidades. Contudo, a partir de 2002, Latour empreenderá uma restrição de seu conceito de política, associando-o especificamente à problemática das instituições e das práticas de confluência, discussão e escolha que galvanizam a produção dos agregados sociais ao redor de certas questões cuja importância deve tornar-se “pública”. Desse momento em diante, a política passa a ser encarada como um “regime de enunciação” capaz de produzir temporariamente o “público” (LATOUR, 2004 [2002], p. 18). Em ISME, o campo de referência empírica do conceito latouriano de política não muda substancialmente, ainda quando a noção de “regime de enunciação” ceda lugar à de “procedimentos de veridição” e esta, por sua vez, fique condicionada à multiplicidade dos “modos de existência”.
Na acepção de Latour, cada modo de existência se define por um tipo singular de relação que permite a captação e a expressão de uma experiência específica do mundo (LATOUR, 2013, p. 68). Tal relação é anterior à experiência em si mesma, adquirindo, por assim dizer, uma natureza diagramática que nosso autor denomina “preposição”. A preposição é uma tomada de posição prévia à proposição: ela define o modo como deveremos compreender esta última. Inscrita no estudo das redes, a noção de preposição nos autorizaria a qualificar o tipo de conexão que sustenta cada cadeia de associação: “[a rede] permite captar a multiplicidade das associações; [a preposição] [indica] a pluralidade dos modos localizados no curso da complicada história dos Modernos” (ibid., p. 73). Se as redes nos falam das condições materiais de existência dos seres, então a preposição sinaliza enfaticamente seus modos de alteração em cada domínio da vida coletiva. Latour esclarece que, na pesquisa sobre os modos de existência, “o princípio de livre associação já não oferece a mesma metalinguagem para todas as situações, senão que deve converter-se em apenas uma das formas nas quais podemos enfocar qualquer curso de ação, certamente a mais livre, mas não a mais precisa” (ibid., p. 75).
Tornar mais aguda a análise de um curso de ação implicaria indagar sobre suas condições de felicidade, isto é, sobre como ele captura, em cada etapa de seu desenvolvimento, os seres que pretende articular tendo em vista o propósito de extrair-lhes algum tipo de consistência irredutível àquela alcançada por outros cursos de ação. Assim, por exemplo, as condições de felicidade de um curso de ação “jurídico” não seriam as mesmas de um curso de ação “religioso”. No primeiro, está em jogo a coincidência entre fatos e textos e entre textos e outros textos por meio de opiniões doutas que qualificam a pertinência do procedimento geral. A verdade jurídica não responde aos critérios da verdade científica: a prova jurídica não é a prova científica; ambas percorrem caminhos diferentes para serem encaradas como tais. O mesmo pode ser dito em relação às provas religiosas, extraídas da “exegese contraditória e titubeante” de uma Palavra tornada certeira apenas aos que sabem ouvi-la e encarná-la sucessivas vezes: “o religioso é […] a certeza de que só se obtém a verdade através de um novo caminho de alterações, de invenções, de desvios que permitem atingir ou não […] a renovação fiel do que foi dito” (ibid., p. 304). A religião seria, então, uma incansável ressurreição da palavra, remetida sempre a si mesma – e nunca a outra coisa –, mas confrontada, sucessivas vezes, com o desafio de colocar-se à prova, ou seja, de realizar através do tempo e do espaço a sagrada tarefa de conversão, entendida como a reinstalação de uma promessa absoluta que nos abre à interlocução com os demais.
Antes de qualquer “coisa”, o direito e a religião são possibilidades: pré-posições que autorizam proposições cuja consequência é a inscrição de algum efeito de verdade sensível a quem habita suas redes. O direito engendra “fatos” à luz dos textos; a religião produz, através da palavra conversora, os membros potenciais de uma nova comunidade de sentido. E quanto à política? Que possibilidades ela nos apresentaria? Em poucas palavras, a política, encarada como modo de existência, produziria diferença em meio à relação tensa, mas idealmente ininterrupta, entre representados e representantes. Na perspectiva latouriana, pensar a política politicamente requereria acessar sua razão própria; uma razão que “nunca vai em linha reta” (LATOUR, 2013, p. 321), que “gira, a cada vez, em torno de questões, de assuntos, de decisões, de coisas – no sentido de coisa pública – e cujas consequências surpreendentes enredam quem teria preferido nem ouvir falar delas” (ibid., p. 325). Grifos no original. A política orbita assuntos que demandam congregação para serem encaminhados. E o próprio encaminhamento que se dá a eles pode ser objeto de novas controvérsias, de novas reuniões, de novos desvios e assim sucessivamente. O “círculo” da política é “impossível de traçar; contudo, deve ser traçado; uma vez que foi traçado, desaparece; é preciso recomeçar” (ibid., p. 325).
A política não se explicaria pela sociedade, ou seja, não configuraria um artefato institucional que ritualiza e reproduz relações de poder assentes em outras instâncias da vida coletiva. Mais correto seria dizer que a política assegura a produção dos agregados humanos por meio de certos atos de palavra que instauram problemáticas concernentes a todos os seus membros. Se for assim, nenhuma explicação “social” deve preceder a análise dos comportamentos políticos. Distante de Durkheim e próximo de Gabriel Tarde, Latour convida-nos a “abster[-nos] de toda explicação social para fazer emergir as formas de coordenação a partir das mediações práticas” (LATOUR, 2004 [2002], p. 12). Assim, tudo volta a estar em processo de elaboração e as fontes de articulação outrora instaladas pela sociologia no plano das estruturas subjacentes passam a ser imanentes ao desenvolvimento de mediações concretas, instáveis, não asseguradas a priori. Nesta abordagem, não estamos autorizados a assumir a política como algo existente, mas sim como um procedimento que pode vir a ocorrer ou não. A política nem sempre existe. Seu domínio é criado deliberadamente vez que outra, quando uma problemática emergente ativa o círculo da representação, onde a autonomia enunciativa das pessoas está condicionada a uma heteronomia representacional e vice-versa. Logo, retornarei sobre este ponto crucial. Por enquanto, diremos que houve política quando o uso da palavra deu nascimento a um “público”, isto é, a uma “totalidade provisoriamente definida” (LATOUR, 2004, p. 18). A existência deste público indica que a política está em curso; a partir do momento em que ele se desfaz, deixa de haver “palavra política” (ibid.).
Que possibilidade aparece diante de quem se deixa envolver pelo círculo da política? Basicamente, diria Latour, a de uma “representação unificada” do poder-ser de uma multidão. Como isto ocorre? Aqui, convém oferecer uma citação mais extensa, para não perder as sutilezas do esquema elaborado pelo autor:
[a representação consiste em] parti[r] de uma multidão que não sabe o que quer mas sofre ou reclama; obter, por uma sucessão de transformações radicais, uma representação unificada dessa multidão; depois, por uma tradução/traição vertiginosa, inventar […] uma versão desse sofrimento e dessa exigência; versão que será retomada pela boca de alguns que, por sua vez […], fá-la-ão retornar para a multidão sob a forma de exigências impostas, ordens dadas, leis; exigências, ordens e leis que a multidão media, traduz, transpõe, transforma, opõe de maneiras diversas que finalmente produzem uma nova barafunda de queixas que definem novos sofrimentos […] preparando novas opiniões (LATOUR, 2013, p. 328).
Fica claro, então, que para Latour a política é um arranjo instável entre heteronomia e autonomia. Sem esse arranjo, sem essa complementaridade, a autonomia poderia desembocar na dispersão, ao passo que a heteronomia assumiria a forma de um despotismo melancólico e desesperado. Se o Uno não se esforça por emergir de um múltiplo – ou se, pelo menos, não dá mostras convincentes desse esforço – o “público” inexiste. Se, por outro lado, o múltiplo recusa-se a passar provisoriamente pelo Uno, perde a oportunidade de ver representadas suas inquietações sob a forma de alguma deliberação eficaz, ainda que necessariamente distorcida do ponto de vista da opinião individualizada.
Na medida em que ser autônomo é existir sob uma lei na qual encontramos a expressão de nossa vontade, a única forma de assegurar a autonomia coletiva é aventurar-se no terreno da representação, isto é, da síntese da multiplicidade numa regra que se dobra sobre ela, mas sem nunca privá-la do direito à dissidência, entendida, esta última, como o primeiro passo na direção de outra regra e, portanto, de outro coletivo politicamente sedimentado. A dissidência só seria política quando aceitasse percorrer o caminho curvo que conduz ao estabelecimento de um novo “nós”; quando, em suma, aceitasse uma representação produtora de critérios para o agrupamento de vários indivíduos sob uma norma que ressoe em suas aspirações particulares sem pretender, entretanto, contemplá-las com absoluta fidelidade. O nomos político – i.e. a norma de uma congregação – só pode vir a ser mediante sua re-presentação como algo pertinente para todos, o que supõe um inevitável exercício de tradução/traição. É a própria tradução/traição o que origina aquilo que só a política pode proporcionar, a saber: um poder-ser inédito, uma perspectiva singular, inesperada e necessariamente controversa que é irredutível às expectativas de quem ela almeja interpelar.
No paradigma latouriano, pensar a política politicamente é acompanhar as “palavras tortas” (LATOUR, 2013, p. 323) que correlacionam representantes e representados sem pretender endireitá-las por meio das réguas estabelecidas por outros regimes de veridição. O salto entre um postulado autonômico emitido pela multidão e sua posterior representação executiva é sempre a transposição de um hiato, razão pela qual não deveria surpreender-nos que, neste trajeto, algo caia no vazio: “[…] a política joga-se verdadeiramente sem rede […] na verdade existe, entre qualquer opinião e a seguinte, uma descontinuidade radical que nenhuma continuidade artificial pode encobrir” (ibid., p. 333). E mais adiante: “O Círculo da representação e da obediência [é] um animal que se compõe de segmentos ou de vetores que são transcendentes em relação com os precedentes e como os subsequentes, entre os quais não existe nenhuma solução de continuidade. Ou saltamos e o político flui ou não saltamos e permanecemos sem dizer nada político, mesmo quando acreditamos ‘tomar uma posição’” (ibid., p. 337).
A descontinuidade das opiniões sobre o pano de fundo de uma ausência de substância não seria evidência da vacuidade da palavra política – pelo menos não na medida em que esta for capaz de preservar uma tensão dialógica que sirva de impulso para a futura retomada do círculo da representação. Sendo assim, os denominados “políticos”, aqueles que se arriscam a transpor o hiato da representação, não deveriam desejar que sua palavra e suas deliberações sejam suficientes para apaziguar, de uma vez por todas, as ânsias do povo. E o povo, por sua vez, ao invés de queixar-se das eventuais crises de representação desatadas pela palavra “torta” dos políticos, faria bem em recuperar a matéria perdida no salto sobre o vazio e colocá-la outra vez na roda, à disposição de quem queira representá-la sinceramente, ainda que sob risco de dilapidá-la no transcurso de uma travessia perigosa, mas incontornável.
A política latouriana é o modo de existência de uma autonomia sempre postulada e sempre frustrada, ou melhor, de uma autonomia cuja condição de felicidade é a frustração. A diferença entre o burburinho da multidão queixosa e o falar torto dos políticos é inevitável e precisa ser aceita, ainda quando não estejamos obrigados a resignar-nos a ela e possamos, sempre, recomeçar o exercício circular da representação. O recomeço, admite Latour, “tem algo de esgotante, posto que não pode, não deve, basear-se numa substância, numa forma de inércia, o que equivaleria a substituir o Círculo por outro corpo e, portanto, a suspender seu movimento próprio” (ibid., p. 337). Não há – ou, em todo caso, não deve haver – qualquer posição substantiva entre uma beirada e outra do hiato da representação. Há apenas opiniões intercambiáveis por outras opiniões e assim por diante, ad infinitum. Diante deste panorama, é difícil não levantar a seguinte questão: os posicionamentos políticos são sempre insubstanciais ou, alternativamente, eles devem sê-lo, não porque assim estabeleça o modelo latouriano, mas porque tal requisito, racionalizado por Latour, é uma imposição de facto colocada pelas ágoras contemporâneas? Provavelmente, a segunda opção seja a correta. Seria necessário desmantelar muitas “coisas”, deixar de ouvir muitas palavras, furtar-se à mediação de um batalhão de conselheiros e lobistas para tanger o real das aspirações coletivas antes que ele desabe nos hiatos do impossível. Aquele salto obstinado, que Latour considera obrigatório para conseguir dizer algo político, não parece ocorrer sobre o vazio, mas sim em meio a um território eivado de controles aduaneiros, pedágios e desvios obrigatórios. Trata-se de obstáculos que os políticos simplesmente preferem não mencionar, de modo a resguardar a aparência de sua autoridade. Tudo se passa como se eles estivessem fazendo política, enquanto, na verdade, estão gerindo desejos múltiplos num campo de possibilidades diagramado por quem jamais aceitou fazer política, precisamente porque fazê-la implicaria colocar-se numa posição de igualdade de fala que é simplesmente incompatível com a manutenção do seu próprio poder.
Talvez as chamadas “crises de representação” não sejam apenas um mal-entendido orquestrado pela multidão queixosa, que gostaria de ver retidão num terreno cuja exploração adequada impõe ao caminhante a disposição de traçar curvas e empreender saltos. Talvez não estejamos pensando a política politicamente quando a definimos como uma torção que responde, pelo menos nos dias atuais, a lógicas operativas que não estão submetidas ao arbítrio da própria política. A suposição da torção como momento inevitável do devir dos processos políticos soa exageradamente complacente com a realidade que vivemos; realidade na qual o possível limita-se à possibilidade de apresentar o sempre igual na roupagem da diferença e a torção não aparece como sinônimo de novidade, mas sim de retorno à normalidade. No mundo que nós conhecemos, as repetidas voltas do círculo da representação não trazem à tona diferenças novas, mas as evacuam, delineando a monotonia de uma paisagem que está à vista de todos e que muito poucos hesitariam em chamar de frustrante.
A política da tradução/traição é, no final das contas, a racionalização do estado de coisas dado e de seu slogan melhor acabado; slogan formulado por Francis Fukuyama e assumido de bom grado por Latour: “Fukuyama estava correto no diagnóstico do fim da história, mas errôneo em acreditar que isto simplificaria as tarefas políticas que viriam pela frente: ocorreu exatamente o contrário. A simultaneidade é muito mais difícil de decifrar que a sucessão, porque nela já não podemos nos desfazer de nenhuma contradição” (LATOUR, 2005, p. 31). A história terminou; não há mais sucessões, só há séries de presenças e de efetividades. Neste panorama, a política é a arte de coexistir com a insubstituível concretude do mundo – o capital acumulado, por exemplo –, adaptando o encaminhamento de nossas demandas à preservação do que já existe e deixando de lado qualquer possibilidade que redunde na negatividade, no antagonismo e no avassalamento do social. Um breve exemplo dessa política do fim da história são as recomendações latourianas sobre como ir imaginando um futuro melhor depois da pandemia de COVID-19 que se disseminou pelo planeta ao longo de 2020.
Entusiasmado com a suspensão de uma série de atividades econômicas consideradas irrefreáveis pelos porta-vozes do modo de produção vigente, e intuindo um cenário onde essas atividades possam finalmente ser restringidas pelo bem da Terra, Latour convida-nos a realizar um exercício de imaginação individual. Em linhas gerais, solicita que nos perguntemos sobre quais atividades agora suspensas nós gostaríamos que fossem retomadas, interrompidas ou repensadas a partir do zero. Também oferece alguns critérios para elaborarmos nossas respostas. Por exemplo: “Que medidas você sugere para facilitar a transição para outras atividades daqueles trabalhadores/empregados/agentes/empresários que não poderão mais continuar nas atividades que você está suprimindo? […] Que medidas você sugere para ajudar os trabalhadores/empregados/agentes/empresários a adquirir as capacidades/meios/receitas/ instrumentos para retomar/desenvolver/criar esta atividade?” (LATOUR, 2020, s.p.). Aqui, tudo está por ser reinventado, menos o fato de que continuará havendo “trabalhadores/empregados/agentes/empresários” e de que estes responderão a um conjunto de medidas formuladas em outro lugar com o propósito de ajudá-los a remanejar suas próprias vidas.
Cabe sinalizar, ainda, que em concordância total com sua própria teoria, a imaginação pós-epidêmica de Latour parte do pressuposto de que os debates políticos começam no plano das individualidades. É o indivíduo que, de forma semelhante ao cliente de alguma cadeia de supermercados, deposita numa urna transparente, instalada próximo da porta de saída, suas impressões sobre o serviço prestado e suas eventuais sugestões para melhorá-lo. Feito isso, será a vez de os “representantes” entrarem em ação, traduzindo as queixas do público em linhas de intervenção compatíveis com a reforma e o melhoramento das atividades da empresa. A política começaria com a produção de critérios que alguns indivíduos oferecem a outros indivíduos no intuito de que estes os governem melhor do que antes. Isto exclui a possibilidade de pensar a política como a deliberação que um coletivo oferece a si mesmo com vistas a governar suas condições de existência, fazendo abstração, se necessário for, dos próprios constrangimentos – ser empregado, ser trabalhador, ser empresário – que fixam certas prerrogativas sociais e delimitam o campo das expectativas individuais.
Se na ciência social durkheimiana a política é expressão do social, então no latourianismo ela está incumbida de alcançar o social depois de múltiplos rodeios. A política é a fonte do social tal e como o conhecemos; nela acontecem “as mediações para engendrar provisoriamente o social” (LATOUR, 2004, p. 19). O social é provisório e instável, mas parece que os meios para alcançá-lo não mudam. Impõem-se mediações pétreas– os “empresários”, por exemplo, cuja capacidade de mando determina que existam e continuem existindo, por oposição a eles, “trabalhadores” e “empregados” – das quais a política não pode escapar, mesmo que a custa de privar-se da produção de qualquer determinação radicalmente nova e, por conseguinte, irredutível ao campo das mediações e dos interesses já existentes. Latour adverte-nos de que qualquer novidade que pretenda existir em detrimento do que está dado é, de antemão, impossível. E para quem ainda acredita nesse tipo de quimera, nosso autor esgrime os espantalhos do “totalitarismo” e dos “comissários”[1] que aspiram a “reinar sobre os humanos” a partir do “reino dos mortos”, isto é, do reino das ideias (LATOUR, 2004, p. 30).
Mas se a história acabou, se vivemos no mundo da presença e da coexistência obrigatórias, por que temer esses fantasmas que o passado fez bem em engolir? Se a ambição dos “comissários” é impossível, porque, então, prevenir-nos contra ela? Se “o Tempo Revolucionário, o grande Simplificador, foi substituído pelo tempo da convivência, o grande complicador” (LATOUR, 2005, p. 30) e se já não podemos “desfazer[-nos] das contradições” (ibid.), então que espaço restaria à possibilidade da política? Deveríamos convertê-la em um sinônimo para a gestão da coexistência? Neste caso, não faríamos muito mais do que sancionar a norma imanente ao princípio de realidade que já vigora sem oponentes pelo menos desde 1989[2].
Sugiro que, na prática, o pensamento da política em Latour não prescinde da referência ao social. Pelo contrário, ele erige o social como um referente absoluto que já não reside no fundamento da política, e sim na sua culminação: “não podemos desfazer-nos de nada nem de ninguém” (ibid.). O ponto de ignição de qualquer processo político deveria ser a seguinte pergunta: “existe uma maneira de vivermos juntos, ao passo que nenhuma de nossas afirmações contraditórias, interesses e paixões possam ser eliminados?” (ibid.). Para que fique evidente seu conteúdo essencial, poderíamos reescrever esta pergunta do seguinte modo: o que podemos ser tendo em vista a preservação do que já é? Ou ainda: como articular o que pode ser nos quadros do que já existe? É no estreito campo de ação circunscrito por estas indagações que podemos começar a aventar nossas possibilidades políticas. Não há que buscar a política nos domínios do existente, mas, de qualquer forma, há que posicionar este último como condição de existência da política: eis a dimensão normativa do paradigma latouriano. Do ponto de vista descritivo, contará como política o que for capaz de responder a essa norma. E o que não responder a ela contará como totalitarismo, isto é, como a pretensão de dispor sobre todos sem aspirar a representar a todos nessa mesma disposição.
Seria possível pensar a política a partir de seu próprio processo, sem tomar o social nem como ponto de partida nem como ponto de chegada daqueles itinerários transformacionais que chamamos de “políticos”? Excluir o pensamento da política do domínio do social é o desafio que assume Sylvain Lazarus em seu programa teórico e investigativo. Radicalmente dessocializada, a política não possui, para este autor, outra condição de possibilidade além do próprio acesso ao real que lhe é característico. Como veremos no próximo tópico, a perspectiva lazariana inscreve a política no domínio do pensamento e este último, por sua vez, define-se como uma “relação do real” partilhável através do uso da palavra. Assim concebida, a política só pode ser avaliada no contexto da própria experimentação coletiva que ela desencadeia. Tal experimentação se dá em resposta a algumas condições – Lazarus as denomina “possíveis” – que a política coloca a si mesma enquanto procedimento de coletivização e verificação de uma verdade inédita.
Lazarus: pensar a política no registro do possível
Se Latour buscou na microssociologia de Gabriel Tarde a porta de entrada para um protocolo de pesquisa que explica as formas sociais existentes pelas suas condições de composição – e não ao contrário –, podemos dizer que Lazarus encontrou em Vladimir Lênin a premissa fundadora de um pensamento da instauração de composições coletivas novas, em disjunção com as segmentações e funcionalidades sociais previamente estabelecidas. Escapa aos propósitos deste artigo a reconstrução detalhada da original leitura de Lênin que se encontra nas bases do pensamento de Lazarus. Também prescindirei de uma apresentação mais aprofundada da trajetória intelectual deste autor. Dediquei-me a esta segunda tarefa em outra oportunidade (Moraes, 2019), de modo que, aqui, limito-me apenas a indicar que Lazarus exerce uma influência discreta sobre amplos territórios do pensamento crítico contemporâneo, principalmente na esteira da disseminação da filosofia de Alain Badiou, com quem ele nutriu influências teóricas recíprocas e compartilhou certos espaços de militância política[3]. Quanto aos postulados leninistas que subjazem à antropologia de Lazarus, cabe recuperá-los brevemente neste trabalho, pois eles nos permitem situar com clareza o ponto de ruptura epistemológica no qual se introduz o programa teórico que será revisado nas próximas páginas.
Na história do marxismo, Lênin teria sido o primeiro autor a colocar a ação transformadora das coletividades humanas sob a condição de estabelecer suas próprias condições, independentemente dos ditames científicos, históricos e filosóficos que pretendiam depreender das posições sociais já existentes um devir político positivo, com destino pré-fixado. Para Lazarus, a novidade do leninismo residiria na definição de um princípio de realidade político para a dialética materialista: em Lênin, a história não impulsiona o parto difícil, por vezes violento, porém necessário, do comunismo. Para o fundador do partido bolchevique, não haveria garantias de que o devir revolucionário tendesse ao comunismo. Estas garantias poderiam, isto sim, vir a existir na presença de um partido. No leninismo, a política comunista está sob condição de estabelecer suas condições através do partido: “[em Lênin] a capacidade política proletária não é espontânea, nem histórica, nem está determinada socialmente; encontra-se na obrigação de determinar suas próprias condições” (LAZARUS, 1996, p. 52). Esquematicamente, o partido postula e media a consciência da classe comunista com vistas a organizar a contradição povo/Estado – contradição leninista por excelência – e, uma vez com o poder nas mãos, promove e ratifica a ditadura proletária. Foi assim que, graças à perspectiva de Lênin, o materialismo dialético teria encontrado um princípio de realidade verificável. Tal princípio não era propriamente “científico” – não decorria das teses sustentadas no materialismo histórico (sucessão dos modos de produção, etc.) –, mas sim político. A dialética assumia o caráter de um antagonismo político contra toda a ordem existente, que deveria ser destruída.
Frente ao leninismo, Lazarus procurará reter a tese fundamental de que o partido é signo de uma política que se pensa “sob condição”. Por “sob condição” devemos entender, conforme Lazarus, o seguinte: “que a política não é expressiva nem de características sociais, nem das classes em sua determinação econômica. Não é nem espontânea […] nem sempre já aí […]: a política está sob condição de enunciar suas condições” (LAZARUS, 1996, p. 27). Estas coordenadas teóricas, extraídas de uma singular interpretação do pensamento leninista em torno da questão do partido, terão consequências decisivas para a antropologia de Lazarus. No início dos anos 1980, ele as enunciava assim: “o que é mais importante e exige uma longa reflexão é que a ‘consciência subjetiva como condição do partido’ é certamente um enunciado não dialético, mas sim, e sobretudo, um enunciado que indica a existência de uma operação do subjetivo sobre si mesmo. Se tivermos razão, Lênin abre caminho para uma abordagem subjetiva da política” (LAZARUS, 2013 [1981], p. 87).
Em face do caminho aberto por Lênin, Lazarus desenvolverá uma antropologia cuja primeira e única síntese virá à luz mais de dez anos depois, em 1996, sob o título de Antropologia do Nome.[4] Esta antropologia propõe-se a pensar o que se pensa no interior de um pensamento da política, acompanhando o movimento de suas categorias e identificando suas prescrições imanentes. Mais adiante, retornarei sobre a noção de “prescrição”. Por enquanto, é importante sublinhar que tal antropologia prescinde da necessidade de submeter o que as pessoas dizem e fazem a qualquer sistema de posições e regras implícitas que pudesse constituir um background objetivo para a explicação das mutações subjetivas. A questão, portanto, é “elucidar o subjetivo a partir do interior do subjetivo, ou elucidar o subjetivo ‘em interioridade’, e não mediante a convocação de referentes objetivistas ou positivistas”. Nestes termos, a política tem um caráter “irredutível a qualquer outro espaço além do seu próprio” (LAZARUS, 1996, p. 9): ela não emerge de uma localização social previamente delimitada, mas sim de um agrupamento indistinto que Lazarus denomina, simplesmente, “as pessoas” (le gens).
As pessoas são um indistinto determinado [indistinct certain] que pode ser isolado pela evolução da pesquisa antropológica. O indistinto determinado não designa nem um grupo nem uma estrutura nem um modelo. Pode-se dizer que é um ser-aí indistinto com relação à história e à sociedade. No cara a cara entre as pessoas e seu pensamento não se trata de reinstalar a confrontação entre representações e fatores objetivos concernentes às pessoas (profissão, salário, formação, lugar de moradia, etc.), mas sim de indagar, no pensamento das pessoas, sobre a relação das pessoas com seu pensamento (LAZARUS, 1996, p. 53). Grifos no original.
Ao fim e ao cabo, o axioma fundamental da antropologia das singularidades subjetivas é o mesmo que assegura a possibilidade de qualquer autonomia política. Sintetizemo-lo assim: o que “as pessoas” podem chegar a pensar ou fazer não é, necessariamente, fruto das regras e das estruturas, mesmo quando ocorra em meio a elas. “As pessoas” são capazes, então, de prescrever um possível que não é redutível à repetição ou a continuação daquilo que existe. Isto quer dizer que elas só pensam o que bem entenderem e só se determinam nessa ordem do pensar? Não necessariamente. O pensamento em interioridade é uma possibilidade, não um dado. Apenas a prospecção do que se pensa no pensamento pode identificar sua singularidade potencialmente auto-nômica. Para Lazarus, a política é da ordem do pensamento e este último constitui uma “relação do real” (rapport du réel): algo que pode trazer à tona, em seu transcurso, uma determinação nova para a configuração das subjetividades ou, em sentido contrário, atualizar o jogo das convenções e determinações existentes. Sendo assim, a política manifesta-se sob duas modalidades: em interioridade – quando executa uma autodeterminação ou autonomia – e em exterioridade – quando opera sob as normas de representação estabelecidas.
A primeira modalidade de existência da política (“em interioridade”) evidencia-se quando uma singularidade subjetiva – uma intuição, uma experiência do aberto e do desconhecido – postula suas próprias condições de existência, subtraindo-se às legalidades e objetividades pré-estabelecidas. Neste caso, “o que nutre um pensamento político não é o pensamento sobre o Estado, mas sim algumas categorias próprias e singulares, ‘inventadas’ para a sequência política em questão”, mesmo quando é o próprio Estado que está em jogo (LAZARUS, 2001, p. 98). Uma política em interioridade nunca está dada a priori, não habita um reino ou um campo permanente do social. Pelo contrário, ela costuma ser infrequente. Por sua vez, a política em exterioridade ocorre no espaço subjetivo do Estado e se pensa a partir das estratificações sedimentadas por este último. Nela, as pessoas são chamadas a opinar sobre –ou a representar – as objetividades existentes a partir de segmentações pré-estabelecidas (por exemplo: “os trabalhadores”, os “empresários”) e de acordo com mediações mais ou menos protocolarizadas (consultas públicas, eleições, etc.).
Uma operação política em exterioridade pensa o que pode ser – ou o que está sendo – a partir do que se assume como dado. A operação política em interioridade faz o oposto, ou seja, pensa o que é a partir do que pode ser, instaurando no mundo uma linha original de devir. Pode-se afirmar que, no geral, as pessoas pensam em interioridade e vivem as conjunturas no registro do que elas poderiam chegar a ser – e não do que são –, ainda quando precisem atuar, na maior parte do tempo, segundo os protocolos da exterioridade. Pois bem, no momento em que o pensamento em interioridade prolonga-se numa pragmática coletiva orientada a efetuar suas prescrições (i.e. seu poder-ser), estamos diante de uma sequência política autonômica cuja realização questiona ou contesta tanto a distribuição existente dos lugares sociais como as possibilidades atribuídas a eles em determinado campo funcional e normativo. Num de seus sentidos mais usuais, prescrever significa determinar, preceituar ou ditar algo. Na teoria de Lazarus, a prescrição está diretamente associada à natureza dos enunciados políticos, sendo concebida como o resultado de um processo intelectivo laborioso e excepcional. O trabalho prescritivo constitui um ato de palavra e pensamento que anuncia atributos novos nas localizações sociais dadas, reconhecendo nelas uma mudança de atitude possível e uma forma outra de subjetivação. De certo modo, a prescrição antecipa seu poder vindouro, apresentando um possível que novos sujeitos políticos deverão sustentar materialmente. “As prescrições – esclarece Lazarus – são os lugares de atribuição do que é necessário fazer se quisermos praticar uma política em interioridade” (LAZARUS, 2009, p. 216), ou seja, uma política que não esteja baseada numa intelectualidade secundária, mas sim no movimento – ou relação – do real aberto pela singularidade do pensamento das pessoas.
A política é a prática coletiva que apresenta uma prescrição e a coloca à prova. Sua eficácia não pressupõe nenhuma instância de representação; ela depende, isto sim, da ampliação gradual do campo de incidência da própria prescrição. O aparecimento de uma política prescritiva implica, necessariamente, o antagonismo. Não se trata, contudo, de um antagonismo entre representantes e representados, mas sim entre os portadores de uma prescrição e seus opositores. Em Lazarus, o pensamento da política prescinde de uma problemática da representação porque, para este autor, a apresentação de uma singularidade real no plano do pensamento, e sua eventual enunciação através de fórmulas específicas, não admite meta-linguagem nem meta-pensamento. Isto quer dizer basicamente o seguinte: por um lado, não se pode prescindir da palavra para compreender a articulação real do pensado e, por outro lado, a palavra já não pode ser apreendida senão em relação ao pensamento que a torna necessária num processo intelectivo que apenas ela, a palavra, autoriza a identificar.
Diga-se de passagem, se a política estivesse condicionada à representação, jamais poderia existir em “interioridade” e estaria sempre condenada a transubstanciar-se em objetos/objetivos protéicos atribuídos por um pensamento alheio ao espaço original onde ela foi formulada. Lazarus recusa que a eficácia política resida exclusivamente no “salto” sobre o hiato da representação. Dessa recusa depende, integralmente, a tese de que uma política instaura objetos novos, em antagonismo com as objetividades já conhecidas. Logo, a política em interioridade é pura apresentação.
Mas, em ausência da representação, como conceber que uma política possa valer para todos/todas ou, pelo menos, para um conjunto de pessoas numericamente superior àquele que a postulou originalmente? Ou ainda: como a política projeta uma possibilidade compartilhável? Um exemplo prosaico pode ajudar-nos a elucidar estas questões. Pensemos no comitê de greve[5]. Em primeiro lugar, o comitê de greve autodeclara sua existência sem ter sido convocado por nenhuma instância oficial. O que torna o comitê necessário é a causa com a qual seus integrantes passam a estar comprometidos. Geralmente, esta causa consiste na recusa de uma situação dada; recusa que, até então, não havia tido a oportunidade expressar-se. Quando a recusa encontra, por fim, um lugar para ser apresentada e discutida em coletivo, abre-se a possibilidade de deliberar uma linha de ação compartilhada. O comitê de greve precisa definir sua orientação, sua plataforma e seus slogans. Torna-se urgente, portanto, conformar um acordo a respeito de certas palavras, de certas declarações ou, se preferirmos, de certa “prescrição”. Vejamos alguns exemplos de prescrições: “os salários atrasados devem ser pagos”; “as/os trabalhadorxs demitidos devem ser recontratados”; “esta empresa deve oferecer espaços dignos de trabalho”; “os estudantes devem ter paridade no conselho universitário”. Temos, aqui, alguns enunciados que interrompem a lei das empresas ou da instituição universitária, opondo a ela um novo espaço de deliberação e, por conseguinte, um novo sujeito de poder. Uma vez definido seu slogan, o comitê de greve vê-se diante da tarefa de sensibilizar cada um dos elementos da situação onde ele se instala. As palavras de ordem só serão efetivas quando determinarem o desdobramento de uma prática grupal resolutiva. E apenas este desdobramento oferecerá uma imagem correta do que determinado conjunto de pessoas pode empreender no intuito de fazer efetivo o enunciado sob o qual se reúne.
A extensão do espaço político de um comitê de greve é inseparável da criação de uma nova zona de enunciação coletiva. As assembleias costumam cumprir tal função: ali, as pessoas são expostas a um ditado que procura revelar nelas potencialidades inéditas, cuja verificação é resultado do convencimento paulatino e da experimentação gradual. Nestes termos, sob o dispositivo da assembleia, uma prescrição governa sobre o atomismo da opinião individual, mas sem anulá-la. Ou seja: submete-se a opinião individual à mediação de uma causa que se apresenta ao coletivo. Isto implica fazer a opinião individual prestar contas – afirmativa ou negativamente – de sua própria razão de ser perante a possibilidade – leia-se, a prescrição – em torno da qual a própria assembleia reuniu-se. Nesta perspectiva, nem toda política começa com uma multidão de opiniões individuais. As políticas prescritivas consistem em outra coisa, a saber: na apresentação de um enunciado que pretende valer para todos sem tê-los representado previamente. Trata-se, por conseguinte, de estender aos demais a possibilidade de pensar-se no registro da uma potencialidade transformadora cuja operacionalização foi, a princípio, intuída apenas por algumas pessoas.
A política não só consiste em encontrar nos recursos da linguagem uma representação provisória para os corpos que reclamam e sofrem, mas também em participar de uma nova vida coletiva cujo corpo, em processo de constituição, convoca-nos à necessidade de uma escolha. Se escolhermos aderir à prescrição política que se interpõe a nós, então nossa capacidade reflexiva estará ligada ao seu processo de desenvolvimento e mesmo nossas eventuais discrepâncias e ponderações serão indiscerníveis do devir imanente de um poder-ser circunstancialmente inédito. Mas a política também pode existir “em exterioridade”. Nesta condição, a expressividade dos indivíduos, a manifestação dos seus desconfortos e padecimentos, permanecerá separada da intelectualização e da enunciação da política. O primeiro e o segundo processo – expressividade e intelectualização – serão distribuídos em conformidade com uma divisão do trabalho entre representantes e representados. Em tais circunstâncias, algumas pessoas terminarão transformadas em fonte de insumos para a elaboração de enunciados totalizantes proferidos em outra esfera da ação coletiva, como, por exemplo, o parlamento ou o gabinete do presidente de República. Se adotássemos as categorias lazarianas, poderíamos dizer que o “modo de existência” político teorizado por Latour é, precisamente, uma manifestação da política “em exterioridade”, aquela que parte do múltiplo em direção a sua representação unificada. Vimos que, além dessa modalidade de existência da política, Lazarus reconhece outra cujo “público” não está delimitado de antemão, senão que é fruto da entrada de mais e mais pessoas no espaço de problematização e fabulação coletiva introduzido por uma prescrição.
A proposta de Lazarus configura, a meu ver, não só uma ruptura radical com toda a antropologia precedente, mas também a instauração de um novo domínio de análise: o da ação prescritiva. Este domínio faz jus à hipótese segundo a qual a política é suscetível de introduzir diferenças contundentes no seio de um mundo dado e, portanto, de inaugurar antagonismos decisivos cuja resolução pode redefinir o semblante da própria realidade e a consistência de seus elementos constitutivos.
A política entre o parlamento e a assembleia
Tanto Latour quanto Lazarus tomaram para si o desafio de pensar a política politicamente. Os programas teóricos de ambos os autores se desenvolveram em ruptura com o pensamento social de tradição durkheimiana na medida em que evitaram remeter a atividade política – ou seja, a produção de coletividades em resposta à execução de determinadas possibilidades – a alguma objetividade ou factualidade terminal exterior a ela. Se a política, com todos os esforços organizativos e enunciativos que pressupõe, responde apenas ao seu próprio processo, então a decisão de analisá-la prescindiria de outro referente empírico além dos atos e palavras que a caracterizam em cada circunstância. Para Latour, a fala política constitui-se no (des)encontro entre representados e representantes, enquanto que, para Lazarus, evidencia-se na postulação de prescrições que pretendem valer para todos. De acordo com os dois autores, a produção de um novo “nós” através da mobilização política é, primordialmente, o resultado possível de um uso específico da palavra. Em Latour, este uso responde ao propósito de uma tradução do múltiplo no Uno, ao passo que, em Lazarus, a fala política eventualmente nomeia uma singularidade real que, a princípio, não admite tradução. É nesta diferença de enfoque onde reside, a meu ver, a disjunção crucial entre as abordagens analisadas neste artigo. Quando Lazarus aceita a impossibilidade de tradução – e, portanto, de representação – do enunciado político, o que ele está fazendo é negar a necessidade de uma distribuição taxativa de tarefas entre quem apresenta e quem prescreve a política. Recusar tal distribuição é, na perspectiva do autor, uma exigência da tese segundo a qual, em certas ocasiões, o pensamento das pessoas pode capturar uma relação singular do real que, para preservar sua originalidade, precisa subtrair-se à mediação de outro pensamento. Em Lazarus, encontramos a postulação radical de uma singularidade intelectual insubstituível que é característica do falar/pensar político e cujas consequências manifestam-se diretamente em esforços organizativos incumbidos da tarefa de testar o que uma prescrição já antecipa. Aqui, a política é da ordem da experimentação coletiva de um possível prescritivo de materialização incerta. No pensamento de Latour, por outro lado, a deliberação unificada do dever-ser de uma coletividade política passa, primeiramente, pela interpretação das opiniões dispersas da multidão. Neste caso, a política responde ao modelo do parlamento. A singularidade de uma política estaria dada, então, pela própria tradução/traição inerente ao ato de enunciá-la. Para dizê-lo de outra forma, é o salto distorcivo entre a apresentação de uma vontade e a deliberação de como resolvê-la que marcaria a singularidade da fala política e daria início à necessária retomada do círculo da representação. Como o representado não é nunca exaurido em sua representação, a inevitável frustração da multidão queixosa diante das resoluções estabelecidas por quem fala em seu nome convoca a necessidade de voltar a representar. Cabe reparar que esse incansável relançamento do esforço representativo é menos um atributo dos processos políticos em si mesmos do que uma norma intrínseca ao modelo latouriano.
Em Latour, pensar a política politicamente é aceitar seus desvios e traições como aquilo que a singulariza e a converte num poderoso instrumento de produção de diferenças e de tensões dialógicas entre os indivíduos humanos. Para Lazarus, a politicidade de um pensamento da política está dada pela sua aptidão de trabalhar sob uma hipótese que é inerente às políticas “em interioridade”. A hipótese em questão reza o seguinte: aquilo que as pessoas são capazes de fazer e dizer não é fruto das regras e das estruturas existentes, ainda quando ocorra em meio a elas. Desta forma, não teria sentido pedir à política que se deixe mediar em quadros interpretativos ou campos de possibilidades que lhe sejam exteriores, posto que isto implicaria devolvê-la ao princípio de realidade que ela própria desafia.
No que diz respeito à compreensão da política, Latour e Lazarus transcenderam os territórios do pensamento objetal, onde a ação humana em sua heterogeneidade é fenômeno de fatos concretos, sejam eles invisíveis ou não. Contudo, na obra de Latour, esse movimento viu-se interrompido por uma modelização estreita da política em referência à estrutura do parlamento, na qual a diferença é resultado de uma mediação arbitrária do múltiplo no Uno. Assim, Latour autoriza a política a atualizar sua própria singularidade, mas apenas sob a condição de que esta última exista como uma espécie de acidente do processo de representação. Logo, a novidade da política emergiria de um deliberado mal-entendido entre representantes e representados – percalço típico do modelo parlamentar. Se a imagem latouriana da política é o parlamento, sugiro que o enfoque lazariano permite-nos intuir na assembleia uma figura palpável da máxima potencialidade inventiva da fala política. A assembleia é o lugar em que uma prescrição ganha corpo e assegura o encaminhamento prático de seu campo de possíveis. No entanto, mesmo quando depende de um tipo especial de agrupamento para ser colocada à prova, a prescrição política é, desde o início, uma singularidade real: uma indicação da inapelável abertura de qualquer conjuntura e, por conseguinte, a expressão local de uma nova verdade sobre o mundo, isto é, daquilo que transcende absolutamente as convenções estabelecidas ao opor-lhes um poder-ser inapreensível nos quadros normativos existentes e nas funcionalidades e posicionalidades imanentes a eles. Daí que a política lazariana seja irrepresentável. Daí, também, que sob esta condição de irrepresentabilidade ela precise ser pensada nos seus próprios termos e julgada, exclusivamente, pelas implicações que sua prática faz multiplicar. Em síntese, ainda que Latour e Lazarus tenham pretendido pensar a política politicamente, apenas o segundo autor radicalizou essa aposta, graças à recusa de qualquer compromisso constituinte a priori. Deste modo, a prática instituinte aparece como o momento fundamental da política, ao passo que a ruptura, mais do que a composição do laço social existente, constitui a evidência palpável de sua insubstituível verdade.
NOTAS
[1] A função de comissário político surgiu na Revolução Francesa e tinha por propósito resguardar as incipientes instituições republicanas da influência de doutrinas consideradas deletérias do ponto de vista do novo poder constituído. Na Revolução Russa, o comissário político estava encarregado supervisionar as unidades militares do Exército Vermelho, que havia integrado em suas filas oficiais e soldados czaristas.
[2] A respeito dos corolários políticos explícitos e implícitos do pensamento de Latour, ver, por exemplo, NOYS, 2010; NOYS, 2014.
[3]Além de ser notória, tal influência é reivindicada por Badiou em diversas ocasiões (BADIOU, 1998; BADIOU, 2015; BADIOU, 2017). Num extenso comentário indexado ao prefácio de Lógicas dos Mundos, o filósofo posiciona-se abertamente em relação à doutrina de Lazarus, discernindo, a respeito da política, quais seriam os propósitos de uma abordagem antropológica e os de uma abordagem filosófica (BADIOU, 2008, p. 572 e ss.).
[4] Em 2017, Antropologia do Nome recebeu sua primeira edição em português, sob o selo da Editora Unesp.
[5] O exemplo do comitê de greve, que neste argumento servirá para esquematizar o trabalho de ampliação de um campo prescritivo, também é desenvolvido com propósitos similares por Cécile Winter (2018), militante francesa que, assim como Lazarus, Badiou e outros/as, atuou na Organização Política (OP) entre o final dos anos 1980 e meados dos anos 2000.
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