Por Jorge Acosta Junior (uma versão deste texto foi publicada no Empório do Direito)
Foto tirada pelo autor.
Vale lembrar que a esquerda não se limita a um processo de comunicação entrelaçado em instituições, partidos e representações de movimentos, e sim, pelo essencial desafio de pensar e consolidar um projeto social e político aberto pelo e para o Sujeito em antagonismo, no limite da possibilidade utópica. Em luta, e não sob o escrutínio ideológico aceitável num espectro político previsto de antemão.
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As últimas semanas de janeiro foram calorosas e acaloradas. A pauta eram vazamentos de dados, vaza-jatos e a grotesca entrevista da Roda Viva, em cujo centro encontrava-se o eminente superministro Moro. Todo esse consumo informacional levou boa parte da esquerda a tecer seus prognósticos e estabelecer novos rumos, ou melhor, novas saídas à esquerda. Quero, primeiramente, apontar que tais novas saídas desembocam justamente numa saída da esquerda.
No dia 21 de janeiro de 2020, o jornalista Glenn Greenwald foi alvo de denúncia do Ministério Público Federal, por ter auxiliado o ataque hacker à conta do atual ministro Sérgio Moro no aplicativo Telegram. Isso rendeu uma boa cobertura do e para o Intercept, seja pelos dados vazados, como também, pela reflexividade midiática. Aproveitando o momento em que o fluxo informacional alimentava seus likes, o Intercept avançou para além de sua proposta jornalística e decidiu enunciar(-se) sobre a disputa discursiva do que denominou anti-comunismo.
Segundo o Intercept, o anti-comunismo criado pela extrema-direita mina o campo democrático ao produzir o acirramento do antagonismo, de modo a impossibilitar o diálogo. Assim, à esquerda caberia assentar “novas alianças e debates” que não alimentem o anti-comunismo.
Nesta lógica política, a esquerda se põe em direção de reconstrução do terreno de apaziguamento do conflito ideológico, reiterando a estratégia conciliadora promovida pelo governo lulista, só que agora para além do campo econômico, de modo a contemplar alguns acertos comuns anti-ditatoriais. A sanha deste equilíbrio ideológico, como uma das saídas à esquerda do Intercept, nos faz retroceder à ilusão de que a democracia carrega inerentemente espaços políticos de neutralidade e objetividade. Entretanto, o que essa fachada ilusória oculta é o fechamento de qualquer alternativa que não aquela que se assenta nos desdobramentos das redes informacionais, abertamente acopladas aos mecanismos burocrático-estatais. Neste sentido, seria interessante investigar como – e a partir de que pontos de apoio – se estabilizam novos estamentos entre as classes. No nível institucional, vemos um novo Ministério Público fascistamente integrado; de outro lado, na esquerda, deparamo-nos com a maquinaria de denúncias da vanguarda informacionalista.
É neste enredo – voltado para a esquerda – que as confrontações intelectuais e ideológicas manifestam a miséria do imaginário político tecnologizado, em que o fetiche jurídico tem papel fundamental. O que quero dizer é que há uma expectativa falaciosa de que a eliminação das desigualdades sociais possa ser posta em marcha sob o domínio da expansão quantitativa da produção informacional-judiciária. Essa expectativa alimenta ansiosamente o imaginário e força a síntese das ideias a retroagir para uma dimensão racional e reprodutiva em detrimento da ação real, transformadora e produtiva. Sobressai a censura do pensamento radical disponível e suprime-se qualquer consideração acerca das condições histórico-sociais postas em jogo. A esquerda elimina sua experiência e cai no jogo de uma democracia imposta.
Vale lembrar que a esquerda não se limita a um processo de comunicação entrelaçado em instituições, partidos e representações de movimentos, e sim pelo essencial desafio de pensar e consolidar um projeto social e político aberto pelo e para o Sujeito em antagonismo, no limite da possibilidade utópica. Em luta, e não sob o escrutínio ideológico aceitável num espectro político previsto de antemão.
O entusiasmo com a revolução tecnológica e o acesso às redes sociais propõe-se como a descoberta de uma sociedade do conhecimento que inclui a própria esfera jurídica. Entretanto, apontar a artilharia para as experiências comunistas e abandonar suas ‘aquisições evolutivas’ de sentido político-teórico – conquista de Direitos Sociais, tanto no marco do Estado moderno universal como nas condições históricas em que se apresentava na Rússia em 1917 – é renunciar a própria posição de esquerda no espectro político atual quando a discussão anti-comunista se apresenta.
O Intercept, ao apresentar a fratura ideológica do anticomunismo no coração da esquerda, valendo-se da visibilidade de um caso internacional de profunda relevância quanto à política da rede e pela rede, revela o conjunto das posições nos mapeamentos pré-eleitorais: por um lado, temos a procura de posições “jurídicas” e, por outro, as saídas radicais. Novos estamentos planificam a esquerda que, por sua vez, segue repondo os limites da ideologização democrático-burguesa, fazendo assim propaganda contra a radicalização. Neste processo, contamina-se o solo para a construção de uma política antiimperialista e anticolonial com aprendizados históricos que, mais cedo ou mais tarde, terão de lidar com o novo ou os novos heróis jurídicos da Direita, dentre eles superministros de tendências fascistas, ou então, democratas digitais.
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