Imagem: “La conversation”, escultura de Étienne Pirot (1952).
Entre nós, sobrevive apenas uma antropologia indisciplinada, que nem sequer precisa preservar seu nome original. Poderíamos chamá-la, quem sabe, de uma aposta no encontro com as pessoas, em busca de suas dimensões inventivas, criadoras e subversivas. Poderíamos, até mesmo, chamá-la de marxismo… o nome pouco importa.
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Há algumas semanas, quando estávamos reunidos em Bogotá, Sergio Fernández enviou por WhatsApp o roteiro da entrevista. Sua proposta era que xs membrxs do Coletivo Máquina Crísica – GEAC desenvolvessem algumas reflexões sobre a pesquisa, a militância, o marxismo e o papel dxs antropólogxs. Sergio é o criador do canal Una Antropología de la Práxis no You Tube e administra o grupo homônimo no Facebook. Em ambos os espaços, a ideia é visibilizar formas de ação e pensamento que conjuguem antropologia e transformação social. Sergio queria publicar a entrevista com o Máquina Crísica no canal do You Tube. Sua proposta soou instigante, mas também gerou alguns temores. É estranho aparecer em vídeo, dando rosto e nome para argumentos que poderiam pertencer a qualquer pessoa; argumentos que estão aí para serem roubados, transmutados e transportados. Por outro lado, transmitir certas questões ao vivo e a cores poderia, quem sabe, torná-las mais acessíveis para aquelxs que nem sempre tem o tempo e a vontade de ler o que escrevemos neste blog. E o desejo de qualquer militante – portanto, o nosso desejo – é ampliar os espaços de diálogo; é falar com mais gente… Para encurtar a história, no final das contas decidimos encarar a câmera.
O segundo desafio, a partir de então, foi lidar com um conjunto de questionamentos – aqueles remetidos por Sergio – aos quais nós só poderíamos responder de forma negativa. Estamos longe de sermos os interlocutores mais simpáticos para tecer conexões entre prática antropológica e compromisso político. Não visualizamos relações óbvias entre o exercício da antropologia disciplinar e o impulso inventivo das políticas transformadoras. Mais ainda: achamos que não há simbiose possível entre um pensamento antropológico e um pensamento da – e em – política. Gostamos de dizer que quando a máquina analítica e textual das antropologias começa a funcionar, a política bate em retirada. Para o Máquina Crísica, sobrou pouca coisa da chamada “antropologia”: basicamente uma vontade de encontrar outras pessoas, pensar e fazer algo junto com elas. Esse “encontro”, nós chamamos de “pesquisa” e esse “algo”, nós chamamos de “política”. A pesquisa revela sob que condições, com que propósitos e em nome de quais perspectivas comuns podemos nos envolver com os demais, reivindicando, promovendo e experimentando novas possibilidades coletivas. Talvez seja essa concepção da pesquisa o que nos coloca em convergência com as inquietações de nosso entrevistador, mesmo quando nela não subsista quase nada da disciplina antropológica. Sobrevive, apenas, uma antropologia indisciplinada, que nem sequer precisa preservar seu nome original. Poderíamos chamá-la, quem sabe, de uma aposta no encontro com as pessoas, em busca de suas dimensões inventivas, criadoras e subversivas. Poderíamos, até mesmo, chamá-la de marxismo… o nome pouco importa.
Nos 17 minutos de gravação, recuperamos um pouco da trajetória do Máquina Crísica-GEAC, narramos as circunstâncias de nossa deriva mais além da universidade, falamos dos planos para o futuro, deliramos o marxismo e, claro, pensamos a (não) relação entre pesquisa comprometida e pesquisa disciplinada.
Eis o vídeo:
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